Mesmo sendo a monarquia um sistema que não deu certo, que preza pela vitaliciedade e hereditariedade, substituído pela república ou ainda como, no caso Reino Unido, pela monarquia constitucional, a morte de Sua Majestade, a Rainha Elizabeth II, me causou espanto, com certa inquietação, diante de tanta comoção pública e, principalmente, de seu fiéis súditos na Inglaterra. Como podia uma rainha em pleno século XXI ser tão adorada, idolatrada, considerada um símbolo para as pessoas independente da relação delas com o commonwealth?
Valores sólidos, pautados no respeito à comunidade, à diversidade e respeito à posição que ocupava, pela cadeira que sentava. Elizabeth II não usava uma coroa, não usava de uma posição, ela representava a coroa que usava e vivia a rainha todos os dias. A rainha mais improvável do Reino Unido, segunda na linha de sucessão, assumiu aos 25 anos e sabia que sua vida seria dada ao serviço da coroa britânica.
A monarca mais longeva desenvolveu, então, as habilidades necessárias que a ajudaram a trilhar um caminho estável e admirável. Falava baixo, demonstrava interesse pelos outros, era diplomática, defendia a pontualidade, o planejamento e a preparação, controlava muito bem sua narrativa, mesmo diante de todos os escândalos do palácio, assumia seus erros, ou dos membros da família real, e mantinha sensato toque de humor.
Não que essa seja uma receita de grandes líderes, ainda mais para uma monarca com um papel apolítico como chefe de estado. Mas questiono-me ao comparar a admiração à rainha ao momento que vivemos no Brasil.
Perdemos a nossa capacidade de discordar, de ouvir diferentes pontos de vista, de aprender com a diversidade. Esse mundo tecnológico que usa a inteligência de dados contra o ser humano, reforça constantemente a crença de que um é melhor do que o outro, de que só existe o azul ou o vermelho. Não nos faz enxergar as opções, não traz fatos, reforça valores, crenças, ideias, assuntos e até opiniões.
Na luta pelo poder esqueceu-se a admiração pelos valores e tornou-se a competição uma briga pela conquista da oposição em que não se discutem propostas, mas destacam-se ameaças e falhas, disseminando-se a cultura do fracasso. Ao contrário de um círculo virtuoso, essa guerra de narrativas, vazia, torna o cidadão frágil, vulnerável e depende de informação ou (des)informação, já que não consegue-se mais confiar naquilo que é dito, visto ou falado apenas em suas partes, fora de contextos
Como cantou Renato Russo, “nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado, ninguém respeita a constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. [Afinal] Que país é esse?”
Será que estamos vivendo para além de uma crise de valores, mas também, infelizmente, a falência intelectual da população?