Lembro-me algumas vezes de discutirmos sobre o novo normal. Muito falava-se de como as coisas seriam depois da pandemia. Refletia-se muito sobre os novos procedimentos, sobre a forma de agir e de como nos adaptarmos às tão comuns, hoje, máscaras. O mundo digital que já não era novidade ganhou forma e velocidade nas mais diversas áreas, inclusive na medicina e na educação. As relações humanas, portanto, configuraram-se de forma diferente, estranha, distante. Os que evitaram aprender foram obrigados, de uma hora pra outra, a conviver. O isolamento social acompanhado das sessões do “vale a pena ver de novo” nos obrigaram a um encontro com nós mesmos. O mundo digital e online tomou tamanha proporção que palestras, workshops, treinamentos, reuniões e encontros foram mais realizados, provavelmente, no ano de 2020 do que em qualquer outro ano, tamanha a facilidade de gerar um link, ou de usar um dispositivo que estivesse em nossas mãos, fosse o aparelho celular, o tablet ou um computador, estivéssemos onde for, fosse no trabalho, no home office, no carro, no ônibus ou em casa.
Fomos capazes de estar em vários lugares e fazer várias coisas ao mesmo tempo, sem estar em lugar nenhum e sem fazer nada.
O “novo” normal foi se estabelecendo dia a dia, com os planos de retomada do governo, do comércio local, do restaurante favorito, da escola. Mudança após mudança, fomos construindo seriamente a ilusão de que as coisas estavam como eram. Tudo estava abrindo de novo, o distanciamento diminuindo, e por fim, voltamos a nos encontrar com aqueles que ainda estavam aqui. E talvez, tirando as máscaras, o mundo pareça mesmo o mesmo, mas nessa busca contínua de enfrentar o invisível, não nos demos conta, ao passar do tempo, que éramos nós que havíamos mudado.
Das lições aprendidas, tiramos, com certeza, a ansiedade. Nossa capacidade limitada de lidar com frustrações ao descobrir a fragilidade, volatilidade e complexidade da vida humana. Nossa ansiedade ficou disfarçada de empatia, e fingindo levantar bandeiras, defender uns contra os outros, encontrar formas de transformar, estamos na verdade buscando nosso próprio eu. Parece ser sobre os outros, quando na verdade é sobre a gente mesmo. É sobre quem a gente está se tornando.
O fato é que as pessoas, agora, num mundo pandêmico controlado, estão diferentes, estão revendo suas ações, suas posturas, seus empregos, suas famílias, seus objetivos, suas escolhas. Tivemos tanto tempo para estar conosco mesmo, para cuidar de tantas outras coisas, para gerenciar tamanho estresse, que nos esquecemos de cuidar de nós mesmos ou ainda, tivemos uma surpresa, feliz ou não, com aquilo que descobrimos.
James Cascio, antropólogo, propôs um novo acrônimo ao VUCA, em 2018 – o mundo BANI. Frágeis descobrimos que a vida pode se findar a qualquer momento, que não temos controle algum sobre coisas que pensávamos cuidar. A incerteza trouxe a ansiedade. A complexidade tira a linearidade, ou seja, não fomos capazes de prever todas as novas, e possíveis, situações. E por fim, tamanha ambiguidade, carga e emoção traz muita incompreensão.
Vivemos o tal novo normal – o mundo são as pessoas, e essas, têm demonstrado cada vez mais que não são as mesmas. Com certeza estamos mudando, e esse novo ser humano, até que se torne normal, vai provocar muitas transformações. Acho que vale a pena, então, retornar à antiga reflexão – qual ser humano vamos deixar para esse mundo?