O ano letivo e o famoso calendário escolar têm retomado sua forma e atividades. Já começamos a ver novamente as escolas preocupadas com as famosas ações de Páscoa, Dia das Mães, entre outras atividades que percorrem o dia a dia de alunos, professores e famílias em uma mistura heterogênea (aquela que não se mistura) de publicidade e educação.
As ações da escola constroem (ou desconstroem) um repertório comum a todos do que celebrar, do que é importante e ainda sobre qual o apelo (presente) para cada uma dessas situações. Reflexões importantes sobre o comportamento da sociedade e sobre os papéis que desempenhamos são banalizadas à medida que lembrados exclusivamente em dias específicos em forma de festinhas e máscaras de coelho, que nem ovos botam.
Esse mundo desenfreado e comercial do apelo à compra, ao novo, incentiva a troca e contradiz com posts e mensagens escolares que falam sobre a preservação da água, sobre doações ou ainda ações contra o bullying.
A verdade é que além de seu currículo, programa, conteúdo e atendimento dia a dia, a escola ocupa-se também de algumas responsabilidades na tentativa de quebrar paradigmas e construir um ser humano melhor, ao mesmo tempo que precisa cumprir seus 200 dias letivos e garantir que seus alunos desenvolvam todos os conteúdos para ao final…o quê? Passar no vestibular?
O grande desafio de nossas instituições é conseguir alinhar questões tão importantes ao currículo, sem se preocupar se o planejamento vai atrasar, se faltarão dias para cumprir o livro ou a apostila, e se permitir e dar tempo aos professores, alunos e famílias para que verdadeiramente reflitam sobre algumas questões que são urgentes, e que de fato podem provocar reflexões tão sérias que impactem na construção de um mundo diferente.
O projeto de sustentabilidade, que é comunicado com cartazes e palestras, é tão irreal quanto a falta de sensibilidade que professores e alunos têm ao saírem de suas salas para o intervalo, sem lembrar de apagar as luzes! Força do hábito!
O caráter assistencialista, por exemplo, que percorre as ações da escola é perigoso ao passo que sustenta essa divisão entre aqueles que têm e que não têm e ainda ensina que doar ao outro é uma forma de ajudar. Lembro-me uma vez de uma família que observava atentamente em uma loja de brinquedos:
- Filho, aqui está o dinheiro do seu brinquedo para o “Dia das Crianças”. Vamos procurar juntos algo que você goste.
- Quero aquele carro e pista, pai. – apontando para um brinquedo grande! Aí posso doar o velho para a campanha da escola.
- Filho, aquele está quebrado! Que tal usarmos esse dinheiro e escolhermos dois presentes novos: um para você e outro para essa campanha da escola! – respondeu surpreendente (para mim) o pai.
Esse verdadeiro exercício de empatia, simples, mas difícil de acontecer, é o que pode provocar uma mudança – precisamos entender que ajudar ou doar não se trata de dar o que não me serve mais, ou o que está velho ou quebrado, mas de que talvez seja importante tirar um pouco de mim para também dar ao outro, nas mesmas condições, sem contradições.
Nessa desenfreada tentativa de cumprir o calendário escolar talvez seja necessário fazer escolhas mais assertivas e transformar projetos em ações consistentes no dia a dia, ao longo do ano, para que se tornem hábitos concretos. A família, por outro lado, pode primeiro ajudar nas reflexões, participar ativamente dessas ações e respeitar as decisões da escola que porventura pode deixar de fazer todas as apresentações.
É claro que esse assunto tem ainda diversas outras vertentes, políticas, sociais e econômicas, mas trago aqui, neste momento, um elemento simples e capaz, posso garantir, de mudar o dia a dia e provocar uma transformação vultosa em nossa sociedade: a mudança, que hoje, cada um é capaz de provocar “sozinho”.