O fim do ano sempre nos convida à reflexão. Fechamos ciclos, celebramos conquistas, enfrentamos despedidas, e nos preparamos para novos desafios. Mas, no meio disso tudo, há uma verdade inescapável: ninguém atravessa a vida ileso. Todos carregamos espinhos. Sim, espinhos! E talvez a maior sabedoria esteja em aprender a lidar com eles – tanto os nossos quanto os dos outros.
Ao refletir sobre o que aprendemos neste ano, lembrei-me de uma fábula que minha mãe, em sua sabedoria, contava. Uma história que, apesar de simples, carrega uma verdade poderosa: a dos porcos-espinhos.
Esses animais, solitários por natureza, enfrentam um dilema quando o inverno chega. Cobertos por cerca de 30 mil espinhos, sua primeira reação é se afastar uns dos outros, protegendo-se da dor de uma proximidade desconfortável. Mas, com o frio implacável, percebem que precisam se juntar para sobreviver e que o isolamento traz consequências ainda piores. O calor da convivência supera o desconforto dos espinhos. A única forma de sobreviver é se aproximando, compartilhando calor – mesmo que isso signifique suportar a dor dos espinhos alheios. Ajustando-se, aprendem a viver próximos sem se machucar tanto – uma lição que a natureza oferece, mas que os humanos frequentemente ignoram.
Na convivência humana, enfrentamos dilemas semelhantes. Nossa tendência inicial, quando nos sentimos ameaçados ou incomodados, é nos afastarmos. Criticamos os “espinhos” dos outros – seus defeitos, erros ou atitudes – enquanto ignoramos os nossos próprios. Quantas vezes apontamos os espinhos alheios sem perceber que os nossos podem ser tão, ou mais, afiados?
Aqui reside a primeira lição da fábula: conviver requer autoconhecimento. Antes de condenar o outro, é preciso reconhecer os espinhos que carregamos. Alguns de nossos espinhos foram moldados por traumas, inseguranças ou medos. Outros, por orgulho ou impaciência. Independentemente da origem, todos eles têm o poder de machucar – e é nossa responsabilidade aprender a controlá-los.
A segunda lição dos porcos-espinhos é ainda mais profunda: aceitar a dor como parte do processo. A convivência nunca será isenta de desconforto, e tudo bem. Não é a ausência de conflitos que define a força de uma relação, mas a capacidade de superar juntos as dificuldades. Os porcos-espinhos não se aproximam porque é fácil, mas porque é necessário.
E, por fim, há a sabedoria do ajuste. Os porcos-espinhos não simplesmente “suportam” a dor. Eles aprendem, ao longo do tempo, a encontrar uma distância ideal – próxima o suficiente para compartilhar calor, mas com cuidado para minimizar a dor. Para nós, isso significa desenvolver empatia, paciência e flexibilidade. Cada relação requer um ajuste único, e isso só é possível quando estamos dispostos a olhar além dos espinhos e enxergar o valor do outro.
Enquanto nos aproximamos de um novo ano, pergunto: quais espinhos você precisa ajustar? Quais relações merecem mais paciência e esforço? E, talvez a pergunta mais difícil: quais dos seus próprios espinhos você ainda precisa reconhecer e controlar?
A verdade é que o mundo não nos dá escolhas fáceis. Haverá momentos em que os espinhos parecem insuportáveis, e o isolamento, tentador. Mas o frio da solidão é mais cruel do que qualquer desconforto causado pela convivência. A mágica da vida está em abraçar o caos, aceitar as imperfeições – as nossas e as dos outros – e, ainda assim, escolher ficar.
Que 2025 seja o ano em que aprendamos a acolher nossos espinhos e os espinhos dos outros. Que sejamos porcos-espinhos melhores: conscientes de nossas imperfeições, ajustando-nos às dos outros e, acima de tudo, valorizando o calor que só a convivência pode oferecer.
Porque, no final, não são os espinhos que definem quem somos, mas o que fazemos com eles.
Feliz Ano Novo!