Quando o amigo de Sherlock Holmes, surpreso, lhe inquiria a respeito de quais evidências o levou a deslindar determinado crime, ele iniciava a conversa explicativa com a famosa frase: “É elementar, meu caro Watson!”. Jairo Ramos (1900 – 1972), médico e incansável educador, um dos fundadores da Escola Paulista de Medicina onde incentivou a investigação clínica e a arte da terapêutica, dizia que a prescrição igualava os médicos ao receitarem a mesma coisa, os resultados seriam iguais.
Do mesmo modo seria como afirmar que o famoso detetive acima, usando sempre as mesmas evidências de um caso, solucionaria todos os outros casos, os mais intrigantes possíveis. Infelizmente, há um mal nas drogas, o efeito corrosivo da propaganda farmacêutica na alma da medicina.
Segundo Bernard Lown em artigo publicado na revista da Fundação Lown de Pesquisa Cardiovascular: “Atingindo a integridade da ciência que alicerça a prática clínica, as companhias farmacêuticas determinam o que as revistas devem publicar e o que deve ser mantido fora de publicação. Essas empresas têm, portanto, grande influência sobre o que os médicos devem saber sobre os medicamentos e quais os remédios que devem prescrever”. De um modo sombrio arremata: “Se os médicos estão no bolso das empresas, a questão constrangedora que confronta os pacientes é saber se as medicações que eles estão usando são realmente indicadas ou se são prescritas porque os médicos foram subornados a fazê-lo”.
Lembro-me, quando recentemente formado, de um livro pequeno, menor ainda em ética, que ensinava como atender um paciente em 5 minutos. Se for uma questão de recorde, talvez alguém seja citado no Guiness por ter atendido em menos tempo! Bernard Low, professor emérito de cardiologia da Harvard School of Public Health, publicou o livro “A Arte Perdida da Cura”, um apelo pela compaixão, empatia, na medicina para reparar a sagrada confiança que no passado ligava médicos e pacientes. Empresas farmacêuticas gastam diariamente mais de 110 milhões de dólares para garantir que os médicos prescrevam as drogas mais recentes e mais caras. A persuasão é feita por um exército de mais de 80.000 representantes das mesmas que casam propaganda com brindes. Além disso, essas empresas, em sua maioria, ajudam a patrocinar e financiar congressos e jornadas científicas com mais de 300 mil eventos por ano.
Segundo avaliação, mais de 80 % dos autores de diretrizes de prática clínica usufruem de relacionamento financeiro e parceria com empresas farmacêuticas, sendo compelidos a exaltar os benefícios e ocultar os malefícios das drogas em lançamento.
Na primeira década deste século, foram lançados dois anti-inflamatórios não hormonais, Vioxx e Celebra, cuja virtude terapêutica estaria em reduzir drasticamente os riscos de gastrite, úlcera gástrica e hemorragia digestiva, principalmente em idosos que usavam anti-inflamatórios tradicionais e de menor preço. Um estudo sério com 8.000 pacientes usando Celebra contradiz as afirmações da Pharmacia, empresa responsável pelo medicamento, provando que os eventos gastrointestinais adversos aconteciam na mesma porcentagem das outras drogas antes em uso. O mito vantajoso apregoado foi desfeito do produto que rendia três bilhões de dólares por ano. O Laboratório Merck Sharp & Dohme, fabricante do Vioxx, apregoou, também, que o uso do mesmo evitava pólipos em pacientes com adenoma colorretal, uma pesquisa pelo FDA mostrou haver risco aumentado de eventos coronários e cerebrovasculares, mesmo com a obstinação da empresa, ele foi retirado do mercado em 30/09/2004.
A atual série O Império da Dor, na Netflix, nos conta que no início dos anos 2000 a empresa farmacêutica Pardue Pharma lançou no mercado o medicamento Oxycontin, duas vezes mais potente do que a morfina, com efeito rápido de fazer cessar a dor com sensação de prazer, tornou-se vício e causou a morte em mais de 453 mil norte-americanos.